terça-feira, maio 31, 2005

Considerações Sobre a Política Nacional de Informática - Uma Visão de 1984

CONSIDERAÇÕES SOBRE A POLÍTICA NACIONAL DE INFORMÁTICA



APRESENTAÇÃO À COMISSÃO MISTA DO CONGRESSO PRESIDIDA PELO SENADOR VIRGILIO TAVORA


Eduardo Guy de Manuel
Presidente da ASSESPRO - NACIONAL
Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Informática

Brasília, 11 de setembro de 1984.

1 - A INFORMÁTICA HOJE E NO FUTURO

De repente, a sociedade brasileira acordou para a informática. Discute-se sobre seus impactos, seus benefícios, sua capacidade de gerar ou extinguir empregos, e mesmo sob os aspectos relativos à área social e sua importância estratégica como ferramenta de soberania nacional.
A grande quantidade de projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, exibindo uma ampla gama de opiniões e conceitos, e a ênfase com que o assunto vem sendo tratado nestas casas legislativas, demonstra a preocupação de nossos Congressistas em corretamente definir um modelo duradouro para a informática, no Brasil.
Para melhor embasar nossa exposição, vamos colocar em discussão alguns parâmetros, que, ao nosso ver, são importantes para a definição do modelo de informática mais adequado ao Brasil.
A “invasão” dos computadores, tal como a vemos hoje, é apenas a ponta do iceberg dos campos de aplicação da informática em 1984, estima-se que os dispêndios mundiais no setor alcancem a 250 bilhões de dólares. Um valor expressivo, sem dúvida. Mas, ao levarmos em conta os números previstos para a virada do século, que montam a 5 TRILHÕES de dólares, ou 20 vezes mais, em apenas 15 anos, somos obrigados a refletir um pouco mais.
O fator 20 de crescimento, traz em seu bojo três interpretações nem sempre muito claras:
- O preço unitário dos equipamentos e serviços de informática vem decrescendo assustadoramente, a níveis mundiais. Logo, a multiplicação dos usuários de informática se dará a um fator próximo de 200 VEZES, em apenas 15 anos.
- A extensão das suas aplicações é hoje ainda mal avaliada, por conseqüência. Não podemos imaginar este crescimento baseado apenas no aumento de usuários para as aplicações que conhecemos hoje. É razoável supor que seu uso se espalhe intensamente para as áreas que vão da automação industrial ao ensino de todos os níveis; do diagnóstico (e talvez prognóstico) na medicina à meteorologia, passando pelas ciências exatas, sociais, humanas. Enfim, espera-se que a informática seja colocada à disposição de todos os ramos de conhecimento e atividade humanos, para SERVIR ADEQUADAMENTE À SOCIEDADE;
- A disseminação da informática, como recurso-meio das atividades humanas, vai requerer, além de tecnologia evoluída em seu USO, como também de recursos muito grandes para pesquisa, visando torná-la útil em todos os campos. E capacidade de produção de uma infinidade de insumos, componentes e produtos acabados em uma escala industrial jamais imaginada há alguns anos atrás.
Em cima disso tudo, cabe uma pergunta: Será que uma nação, individualmente, pode pretender abraçar todas as disciplinas do conhecimento da informática, e colocá-las à disposição de seus cidadãos, em condições vantajosas, preservando ainda o domínio dos rumos estratégicos desta nova área do conhecimento humano?
Como decorrência, quais são os parâmetros mínimos que uma nação deve pretender dominar, de acordo com a soberana vontade de seus cidadãos, para que não fique ao reboque das nações e grupos econômicos mais poderosos, e assim entrar naquela que talvez seja a mais odiosa forma de dependência: a dependência da informação, do conhecimento e da capacidade de um povo definir seus próprios destinos.
A informática, sem dúvida, pode colocar nas mãos de governos e mesmo grandes empresas, poderes nunca antes imaginados. O perigo do Big Brother, de George Orwell, previsto em seu livro, por coincidência chamado “1984”, é muito maior do que pensamos.
Pobre daquele país que concentrar muito poder de decisão sobre a informática nas mãos de poucos, em especial se este poder não for rigidamente controlado pela vontade da sociedade. A concentração destes poderes, se em mãos de pessoas bem intencionadas e capazes, pode trazer benefícios incríveis. Mas e se as pessoas, suas índoles e suas ideologias não forem adequadas?
Basta fazer um pequeno exercício de fantasia histórica, e imaginarmos o que seria do mundo se Hitler e seus asseclas tivessem os recursos da informática de hoje em suas mãos. Sem falar daqueles que estarão no mercado nos próximos anos...
2- PARAMETROS PARA UMA LEGISLAÇÃO DE INFORMÁTICA

O Brasil, objeto de nossas permanentes atenções e preocupações, precisa, naturalmente, de uma legislação sobre a informática. Nosso primeiro modelo não será, certamente, algo pronto, acabado e perfeito.
A legislação básica deve permitir aperfeiçoamentos permanentes, para acompanhar a dinâmica do ramo, onde uma nova geração de computadores surge a cada 18 a 24 MESES, e onde os computadores com inteligência artificial já fazem a sua estréia em laboratórios de pesquisa.
Devemos levar em conta nossos interesses estratégicos, visando preservar a soberania do Brasil, como nação independente, política, econômica e “informacionalmente”.
Os recursos tecnológicos e financeiros devem ser corretamente avaliados, para não transformarmos nossas aspirações de independência tecnológica em atrasos sociais que aumentem exponencialmente a distância que hoje nos separa das nações mais prosperas.
Não devemos, com certeza, deixar que os poderes de decisão sobre os rumos da informática nacional estejam concentrados em pessoas ou órgãos, cujas atividades não possam ser rigidamente controladas, fiscalizadas e cobradas, dada a importância estratégica da sociedade.
Nossos recursos são parcos; mesmo assim, já dispomos no país de um considerável acervo tecnológico. Não devemos, não podemos desperdiçá-los.
Os diversos setores da informática, representados por entidades de classe, cuja importância no cenário nacional cresce, dia a dia, devem estar permanentemente representados nos organismos formuladores, executores e controladores da Política Nacional de Informática, junto com representantes de governo e de consumidores, ou usuários.
A Política Nacional de Informática deve levar em conta os princípios básicos da Democracia e da Livre Iniciativa, esta última como única forma adequada de manter a indústria competitiva, gerando sempre melhores produtos aos seus usuários.
Deve, sobretudo, contemplar com especial ênfase e carinho o setor de serviços, que será o mais significativo da informática, nos próximos anos, e onde o Brasil já demonstra especial capacitação, ao ponto de ser um incipiente mas promissor exportador de programas e sistemas de computação, para países como os Estados Unidos e a Alemanha Federal.
Os usuários, atuais e futuros, devem merecer a maior das atenções, não só porque pagam as contas, mas porque precisam de recursos informatizados potentes e eficazes, de modo a gerar produtos e serviços cada vez mais eficazes e competitivos, pois só deste modo o Brasil pode pretender ingressar de vez no rol das nações prósperas e desenvolvidas.
Mecanismos de proteção à empresa nacional de informática são indispensáveis, para criar condições de termos a médio prazo, a dura concorrência dos mercados externos, e prover o mercado interno com ferramentas eficiêntes.
A proteção deve, no entanto, ser transitória, de preferencia declinante no tempo, para não gerar acomodações e ineficiência, que, por sua vez, acarretariam em progressivo isolamento para o país, preços sempre mais altos ao usuário final e perda de competitividade em seus produtos.
Não podemos ignorar a reserva de mercado, que já perdura no Brasil há dez anos, para a fabricação de computadores e seus periféricos. Negá-la agora, ou discutir sua viabilidade, seria por a perder todo um esforço que levou à criação de centenas de fabricantes nacionais, e a perto de mil empresas de software e serviços, a maioria das quais dependem dos fabricantes nacionais, para seu mercado.
São dezenas de milhares de empregos diretos criados, que devem ser preservados e mesmo estimulados à multiplicação, para acompanhar o crescimento da informática.
Mas a tecnologia, os recursos financeiros e, principalmente, os mercados estrangeiros, não podem, não devem ser postos de lado. Eles são vitais, para uma informática nacional forte e definitiva, no cenário mundial.
3 - CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE LEI DO GOVERNO

Inegavelmente, a proposição do governo é ordenada, aborda o problema da indústria de hardware e microeletrônica de forma a retratar suas preocupações quanto à viabilização da indústria nacional.
O problema do software, talvez mais relevante e estratégico, é tratado tangencialmente, na medida em que se trabalha febrilmente na montagem de um projeto específico para o setor, e que, esperamos, será trazido à apreciação do Congresso Nacional o mais breve possível. Neste projeto, a ASSESPRO vem procurando fornecer os melhores subsídios, bem como gostaria de debate-lo intensamente com os Congressistas, bem como vê-lo aprovado no menor prazo possível, dada sua relevância.
Voltando ao projeto em pauta, temos algumas preocupações, que se materializam pela análise dos pontos que já abordamos, e que passamos a sumarizar abaixo:
A Comissão Nacional de Informática deve ser democratizada. A participação das entidades de classe do setor deve ser, no mínimo, paritária, em relação à representação de órgãos governamentais.
A indicação dos representantes à CNI deveria originar-se da vontade das entidades representadas, talvez com referendo do Congresso Nacional. Desta forma, evitaríamos, para sempre a manipulação de sua constituição, visando a atender interesses específicos de grupos, e também uma indevida concentração de poder em poucas mãos. Se hoje a concentração de poderes na SEI traz resultados, na média, favoráveis, deve-se ao fato circunstancial de termos pessoas certas nas posições chaves. Mas a formulação de uma Política Nacional de Informática, não pode pressupor que a situação atual vá permanecer.
O prazo previsto para a reserva é mais do que razoável. Oito anos, mais os dez passados, significam o equivalente a mais de um século, para indústrias tradicionais. Não podemos fechar-nos por um período maior, sob pena de sermos riscados de vez, do quadro das nações aspirantes a entrar em campo no time principal.
Todo o esforço do Estado, inclusive no que toca à pesquisa básica, deve contar, obrigatoriamente, com a colaboração da empresa privada nacional. Esta deve sempre ser fortalecida, para que se torne permanentemente competitiva, e também para que o modelo de informática seja condizente com o sistema político do Brasil.
Para que não caiamos em mais uma letra morta, a PNI deveria dar ênfase, ou mesmo, quem sabe, restringir-se àqueles tópicos que possam ser realmente cumpridos, na prática. Uma excessiva abrangencia pode limitar o desenvolvimento de determinados segmentos industriais, vitais para o País, forçando uma revisão da PNI, com os conseqüentes desgastes, para outras áreas. Em outras palavras, vamos legislar sobre um universo conhecido e plenamente ao alcance de nosso controle.
Como dissemos anteriormente, a legislação deve ser dinâmica para atender às crescentes inovações que precisam ser reguladas. Assim, é mais fácil ir, ao longo do tempo, incorporando novos requisitos, do que pretender legislar sobre TUDO, quando na prática, não poderemos controlar tudo.
A lei deve ser muito rigorosa, quanto à verificação e cobrança de programas de nacionalização e absorção de tecnologia em especial para empresas que se beneficiarem de incentivos fiscais, proteções aduaneiras ou verbas governamentais para pesquisa. Não se admite, com o s recursos de que dispomos, sejam premiados ou protegidos os empreendimentos que visam o lucro fácil, em detrimento da genuína fixação de tecnologia no país.
A oportunidade é impar, para fortalecermos nossas Universidades e centros de pesquisa, engajando-os neste esforço, fazendo com que mecanismos de incentivos às empresas passem, sempre que possível, por uma cooperação com esses nossos centros de cérebros, hoje tão marginalizados do nosso processo de desenvolvimento.
Uma palavra sobre o cidadão. É muito importante conceituar claramente, dentro da lei, os direitos do cidadão em conhecer as informações armazenadas sobre ele, nas bases de dados públicas. Ele deve, ainda, ter o inalienável direito de exigir alterações nesses dados, sempre que se revelarem incorretos, ou imprecisos.
Resguardar a privacidade do cidadão é o complemento indispensável. Devemos garantir a ele que determinadas informações sobre sua pessoa não poderão ser armazenadas ou utilizadas, visando proteger sua privacidade e individualidade.
É igualmente importante, que a PNI não esvazie ou invada espaços bem preenchidos por órgãos públicos já existentes, em especial os Ministérios da Indústria e Comércio e o das Comunicações. Estaremos desta forma, evitando a excessiva centralização de poderes, bem como utilizando-se de estruturas já existentes, com custos obviamente menores.
O problema do papel da empresa estrangeira, no desenvolvimento da informática no Brasil, parece-nos ainda não adequadamente debatido. Sem dúvida, nenhum brasileiro em pleno domínio de sua razão, deixaria de preferir empresas genuinamente nacionais dominando o mercado nacional e internacional.
Resta saber se podemos prescindir quase que totalmente a presença das chamadas multinacionais, ou se devemos evoluir para um aprimoramento de relacionamentos, visando obter um equilíbrio que, ao mesmo tempo atenda aos supremos interesses nacionais, conciliando com suficientes atrativos para que essas empresas se fixem no Brasil, dentro de uma nova ordem de relacionamento ainda não tentada.
A discussão sobre a informática NÃO PODE SER PASSIONAL, muito menos radicalizada. Há que sermos pragmáticos, sem abdicarmos de nossa soberania. Ao tornarmos nossas posições radicalizadas estaremos caminhando para um modelo de PNI passional que talvez atinja alguns objetivos importantes de curto prazo, mas que, no futuro, nos deixe nas mãos um conjunto de brinquedos inúteis, ineficazes e caros. E, o que é pior, obrigando-nos a rever nossa PNI, até agora tão altiva e com vários frutos positivos colhidos, para uma posição de humilhação, dentro de alguns anos.
Em informática, senhores Congressistas, alguns anos significam muitas gerações. E o tempo perdido não pode ser recuperado. Como legítimos representantes do povo brasileiro, conclamamo-os a discutir o projeto de lei sobre informática, com a serenidade que exigem as grandes decisões nacionais, para que a decisão final passe à história como um dos grandes serviços prestados pelo Congresso Nacional a seus representantes, o povo brasileiro.